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Document Request: Gazeta Paranaense 25 Abril 1888
Document Description: Artigo no jornal relatando as circunstancias perante a morte do delegado de policia Joaquim Firmino de Araujo Cunha
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GAZETA PARANAENSE - QUARTA-FEIRA, 25 DE ABRIL DE 1888


Penha do Rio do Peixe

Damos em seguida o inteiro theor de despacho de pronuncia, proferido pelo integerrimo juiz municipal da Penha do Rio do Peixe, dr. José Maria Largacha Junior, contra os implicados no assassinato do ex-delegado daquelle termo, Joaquim Firmino de Araujo Cunha.
“Vistos e examinados estes autos, etc.
Julgo procedente a denuncia de ls. 2, contra os reus: David José Pereira da Silva, Olegario Pereira da Silva, José Venancio Adorno (vulgo Juca Venancia), Joaquim Rodrigues de Moraes Bastos, João Jakson Klink, dr. James H. Warne e seu filho Joaquim Warne, Antero Cintra, Pedro Bueno, João Climaco de Souza Ferreira (vulgo Joao Philadelpho), José Manoel Pereira da Silva, Manoel Bento Pereira da Silva, Deodato Serrano Cintra, José Calixto de Almeida, capitao Manoel Vicente de Araujo Cintra, capitao Joao Baptista Cintra, Jose Gomes da Cunha (vulgo Juca do Barreiro), Jose Avelino Gomes da Cunha, Henrique Joaquim de Alvarenga, Joaquim Bento Pereira da Silva, Valentim Ferreira da Silva, Luiz Antonio Ribeiro, Francisco Job (administrador da fazenda de Joaquim Gomes da Cunha), José Lopes, Maximiano e Joaquim Claudio (empregados da fazenda de Joaquim Bento Pereira da Silva) Martinho Americano (administrador da fazenda do mesmo Joaquim Bento Pereira da Silva), João de Souza (empregado da fazenda de David José Pereira da Silva), Samuel Alves e Antonio Mendes, empregados da fazenda do Joao Augusto Pereira da Silva, Jesumo, empregado da fazenda de José Venancio Adorno, Delfino Alves de Moraes, e Antonio Fidelis; porquanto das provas constantes do summario da culpa verificam-se os factos allegados.
Está provado que, na madrugada de 10 para onze de Fevereiro do corrente anno, no lugar denominado Cubatão, suburbios desta cidade, n’um pasto pertencente a Luiz Antonio Pereira, os réus acima declarados reuniram-se armados para fim criminoso já antes premeditado, tendo trazido em suas companhias camaradas e capangas, formando um grupo de 100 a 200 pessoas, que, depois de esperarem durante 3 horas ocoreu Luiz Antonio Ribeiro, que tinha promettido vir trazendo a sua gente, como este se demorasse, tomaram a deliberacao de por em prática o seu criminoso proposito, que era, a pretexto de prender escravos
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fugidos, desfeitar e commeter violencias contra o delegado de policia do termo, Joaquim Firmino de Araujo Cunha e outros cidadaos, como os factos posteriores demonstraram.
Com [efleito], a uma voz dada, partiram todos a pè, desse ponto, tendo antes guardado os animães no pasto de Joao Ferreira e subiram a ladeira de Cubatão e descendo pela rua do Commercio, ao chegarem em frente a casa de Joaquim Bento Pereira da Silva, pararam; e ahi, depois de certa demora e tendo se unido ao grupo Manoel Bento Pereira da Silva, Joao Valentim Ferreira da Silva, Jose Avelino Gomes da Cunha, que, nessa casa estavam á espera da passagem do mesmo grupo, dirigiram se pela mesma rua, até a casa do Joaquim Firmino de Araujo Cunha, delegado de policia em exercicio neste termo.

Logo após começou aos gritos de: Deita para fóra negros! Appareçam os abolicionistas! etc.. o quebramento de portas, tiros e vozerias, deante da referida casa, tendo uma parte do grupo cercados os fundos desta, tendo uma parte, arrombando o portão, dando tiros e fazendo alarido.

Joaquim Firmino de Araujo Cunha, acordando se attonito, desorientado com as detonações de tantos tiros, vozerias, vendo sua casa assaltada e arrombada alta noite, tentou fugir, e dizendo á dua mulher estas palavras. “Estamos perdidos; trate de se salvar com os seus filhos”, procurou, percorrendo o compartimentos de sua casa uma sahida, e tendo sua mulher se atirado por uma janela, que dava para o quintal, de altura de tres e meio metros, arremessou se Joaquim Firmino de Araujo Cunha pela mesma janella, tendo em vista galgar o muro, e alcançar o quintal visinho para assim ver-se livre de seus perseguidores.
Foi, porem, infeliz, e cahiu no seu proprio quintal, e no meio da gente, que debaixo dessa janella á sua espera estava; e foi espancado, recebendo os ferimentos que se acham descriptos no auto de corpo de delicto de fls 1[ ] a 13, os ques lhe causarem a morte.

Esta provado que os reus só depois de realisarem o seu designio, é que se retirarem do lugar do delicto, e que, depois de morto Joaquim Firmino d’Araujo Cunha, nao satisfeitos ainda com o que acabavam de praticar, dirigiram-se para a casa de Bento da Rocha Campos, que tambem foi assaltada e arrombada, escapando o mesmo Rocha das violencias, porque, momentos antes, tinha fugido com sua familia, assim como depois seguiram para a casa de Pedro Candido de Almeida que, avisado em tempo, fugiu com sua familia, e por essa forma escapando aos desacatos que os reus praticaram.
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Quasi todas as testemunhas que depuzeram no inquerito policial, e alguns dos reus neste processo dizem que foram convidados por fazendeiros para virem a cidade agarrar negros fugidos, que se achavam em casa de Joaquim Firmino de Araujo Cunha, e o proprio Joao Kakson Klink, no seu auto de perguntas a fls. 116 e 119, diz que o convite feito a elle para fazer parte desse grupo tinha o fim acima declarado.
Quando mesmo se demonstrasse que o intuito dos reus fosse apenas atacar a casa do delegado de policia, com o fim de prender escravos fugidos, é claro que não os isentaria isso da culpabilidade como autors, porque os desacatos, tropelias e assassinato commettido resultaram como consequencias immediatas do seu procedimento, que era illicito, como praticado sem attenção ordinaria, pois que podiam prover todas as consequencias resultantes.
Mas, os factos posteriores demonstraram que não era sómente esse o intuito dos réus, pois era natural que tendo se excedido da combinação feita, e succedido a morte, tratassem todos de retirar-se, e sentindo a surpreza de um facto que não premeditaram, não proseguissem nas mesmas tropelias, contra as casas de outras cidadãos.
Assim não exclue da responsabilidade criminal a allegação dos réus presos, que não negam os factos, e que a elles estiveram presentes, de dizerem que vieram apenas com a intenção de pegar negros fugidos.
Joaquim Firmino de Araujo Cunha, era accusado de não querer capturar escravos fugidos, e nem empregar a força publica nesse mistér ; era também apontado como acoutador de escravos fugidos, e na noite em que sua casa foi assaltada, dormiam alli dous escravos, um pertencente a David José Pereira da Silva e outro pertencente a Joaquim Rodrigues de Moraes Bastos, réus neste processo ; estes escravos de dia andavam pelas ruas a não estavam escondidos como consta a fls. 146, verso, 161, verso e 170, verso.
Estas circumstancias explicam a razão do odio que os réus podiam nutrir contra o delegado, e leva-los a cometer o crime, em vez de procrarem os recursos legaes contra a autoridade, a quem imputavam falta de exacção do cumprimento de seus devéres.
Verifica-se mais, que houve combinação ou accordo entre os réus para esse fim, como disseram as testemunhas e foi nessa conformidade de que o réu Antero Cintra, primeiro supplente do delegado de policia do termo, logo que ouviu os estampidos dos primeiros tiros, foi a cadeia e prohibiu a guarda que sahisse, dizendo ao sargento commandante do destacamento que o grupo era muito grande, e que a cadeia tinha muitos prezos, e que dava essas ordens, porque Joaquim Firmino de Araujo Cunha, não era mais delegado de policia da Penha do Rio do Peixe ; que quém estava com a delegacia era elle, porque tinha recebido um telegramma do dr, chefe de poilicia, nesse sentido, communicando a demissão do mesmo Joaquim Firmino de Araujo Cunha, como se vé a folhas 45 e 61 ; quando tudo era falso e simples estratagema para aceitar a realisação da desordem premeditada.
Quanto ao réu Luiz Antonio Ribeiro, pois que, era esperado, tinha prometido vir, como são contestes em affirmar todas as testemunhas, trazendo camaradas, e fez parte do convenio, auxiliou nos actos prep[aratorios do crime, deu força, é visto que concorreu directamente para a perpetração do mesmo crime, e por isso deve ser considerado co autor do assassinato practicado.
Portanto, por todos estes principios e pelo mais que dois autos consta, e disposições de direito, pronincio os réus acima declarados, como incursos no art. I92 do nosso codigo criminal, visto concorreram as circumstancias aggravantes do art. 16 SS 1,6,8,14 e 17 ; sujeito-os a prisão e livramento.
O escrivão passe mandado de prisão contra os reus que ainda não se acham presos, e recommende os réus presos na prisão em que se acham, e lance os nomes de todos elles no ról dos culpados, pagas as custas pelos mesmos, em que os condemno ; e remetta este processo ao meretissimo dr. juiz de direito da comarca, para quem recorro na forma da lei. — Penha do Rio de Peixe, 9 de Abril de 1888, José Maria Largacha Junior.

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